O homem que engarrafava nuvens


Raskólnikov, personagem principal do "Crime e castigo", obra de Dostoiésvki e um dos grandes clássicos da literatura universal, classificava as pessoas, em geral, em duas categorias: os ordinários e os extraordinários.

Pois bem, parcos e ébrios leitores desse agonizante blog, sigamos em frente, antes que um neoconservador dos tristes trópicos, peça o impedimento dessa taberna virtual. 

Mário Pantaleão, o homenageado dessa crônica, era um homem, que eu e os meus destemperados botões, classificaria como homem extraordinário.

Os homens extraordinários -- sigo na minha tese dostoiésvkiana de botequim -- insistem em nos deixar precocemente. Porém, sigo renitente, batucando na minha caixinha de fósforos imaginária a cantilena popular, "diz o dito popular/morre o homem, fica a fama".

Sim, ficou a fama.

Mário, um iconoclasta impiedoso, feito os versos inclementes do poema "A piedade", do Piva, outro saudoso transgressor.

Corria o sangue do realismo fantástico nas suas veias.

Grande estórias de assombração.

"Assombrações do Brioso velho", se é que me permite essa adaptação, mestre de Apipucos.

Casas sendo destelhadas durante noites insones. A velha luz que persegue os cavaleiros na estrada da Canjarana. Árvores balançando furiosamente, amedrontando bêbados maltrapilhos.

Tu que me contaste a epopeia de um dos "feios, sujos e malvados" vidigalenses, que numa missão ao pantanal, desafiaste para uma peleja um gigantesco jacaré.

O famigerado réptil, depois do árduo embate, sucumbiu nos braços dos sertanejo, porém, não sem antes deixar vestígios da sua voracidade.

O algoz herdou a alcunha de Jacaré por toda vida e, também, um visceral buraco na perna, que foi curado, pasmem incrédulos leitores, com fumo de corda.

Outra carta que tiro do baralho das minhas memórias é a da passagem do craque Garrincha por solo vidigalense.

O anjo de pernas tortas, excursionando com o time dos Milionários, que era uma constelação de craques do passado, precisou de uma dose de insulina para ingressar em campo.

Mário, sim, ele mesmo, aplicou a dose no bicampeão mundial, que recomposto pode atuar alguns minutos em campo.

Numa certa noite, nos idos anos noventa, enquanto o hino da Internacional Comunista deslizava num vinil de 78 rotações e delirávamos em elucubrações etílicas, apontamos reminiscências do surrealismo e otra cositas mas numa escultura de madeira, feita por um amigo nosso.

O nosso personagem, com o seu Continental aceso por entre os dentes e sem pestanejar, como era costumeiro, interveio.

"Por acaso essa merda não foi aquele seu amiguinho que fez? Isso não vale nem pra acender churrasqueira, rapaz".

O nosso pedantismo artístico se esvaiu e começamos a falar de trivialidades, tais como a carestia de vida, a mulher do vizinho, os atrasos constantes dos ônibus e outras coisas que o meu amnésico cérebro não permitem lembrar.

"Eu lembro d'ocê, rapaz, quando cê vinha todo garboso a cavalo para vila. Ocê era o cancam da Barra Grande".

Hoje os súditos do Tio Sam apelidam de playboy. 

Eu, particularmente, prefiro a sua nomenclatura. "Cancam" é imbatível!

Um grande abraço, meu compadre.

Despeço com os versos do velho Nelson.

"Naquela mesa tá faltando ele/E a saudade dele tá doendo em mim/Naquela mesa tá faltando ele/E a saudade dele tá doendo em mim".

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